EXTRACTO DE ACTA
Reunida no nono dia do mês Junho do ano de dois mil e nove, a Segunda Secção do Júri de Ética Publicitária do ICAP, apreciou o processo nº 4J/2009 tendo deliberado o seguinte:
«Processo nº 4J/2009
1. Objecto dos autos
A UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por UNILEVER ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP (adiante designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a PROCTER & GAMBLE PORTUGAL – PRODUTOS DE CONSUMO, HIGIENE E SAÚDE, SA (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por P&G ou Requerida), relativamente a uma campanha publicitária conjugada promovida pela última nos suportes televisão embalagem e pontos de venda, referente ao produto “Fairy”, por alegada violação dos artigos 9.º, 12.º e 14.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP, bem como dos artigos 5.º, n.º1 e 7.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-lei n.º 57/2008 de 26 de Março.
Notificada para o efeito, a P&G apresentou tempestivamente a sua contestação.
Dão-se por reproduzidas a queixa, a contestação e os documentos apresentados pelas Partes.
1.2. Questão prévia
Constata a Segunda Secção do JE o facto de as Partes terem apresentado junto do ICAP peças processuais com uma extensão (sobretudo em matéria de argumentação) que, dificilmente, se compagina com a celeridade desejável em sede de auto-regulação e, quiçá, esperada em face, mas sem excluir, do disposto no artigo 7.º do Código de Conduta do ICAP.
Não estando obviamente em causa a excelência do respectivo rigor técnico-jurídico, o certo é que, bastas vezes, o Júri ficaria habilitado a entender o mérito das questões controvertidas e as pretensões das Partes, através do recurso a muito menos articulados e, talvez até – atreve-se a referir – de forma muito mais ágil.
Em conformidade, a segunda secção do JE do ICAP é a solicitar que, na medida do possível, tal cuidado seja tido em conta, em eventuais futuras queixas.
A bem da aludida celeridade.
1.3. Dos factos
A campanha publicitária em apreço, ora objecto de denúncia, é feita através de:
(i) suporte televisão sendo, neste caso, consubstanciada por dois spots televisivos com a duração unitária de 20’’ - e cujas variantes mais reduzidas possuem cerca de 10’’- (…) “os quais, têm vindo a ser publicitados, em horários variados pelos diferentes canais, designadamente através dos canais generalistas RTP, SIC e TVI, assim como de diversos canais por cabo...”. (Cfr. art.ºs 3.º a 5.º da queixa e DOCS. 1 a 3 juntos aos autos com a mesma);
(ii) materiais de ponto de venda (cfr. art.ºs 6.º a 9.º da petição e DOCS. 4. a 10. juntos);
(iii) rótulos de embalagem (cfr. art.ºs 10.º a 13.º da queixa e DOCS. 11. a 17. juntos).
1.3.1. Do teor das alegações publicitárias ou claims
1.3.1.1. Dos elementos de natureza audiovisual dos spots televisivos (vd. DOCS. 1 e 2 junto aos autos pela UNILEVER), tal como se encontra transcrito na queixa (cfr. art.ºs 3 a 5), destacam-se as seguintes alegações de carácter publicitário (adiante designadas igualmente por claims):
Sob um fundo verde, pode ler-se a frase:
- “ Que tamanho deveriam ter as coisas para durarem até 12 semanas como Fairy?”;
Ao mesmo tempo, pode ouvir-se em voz-off :
- “ Que tamanho deveriam ter as coisas para durarem até 12 semanas como Fairy?”;
Segue-se uma imagem de uma pessoa do sexo feminino na casa de banho, servindo-se de uma enorme embalagem de pasta de dentes.
De seguida, surge uma imagem de um homem no duche, utilizando uma enorme esponja, a qual lhe cobre praticamente todo o corpo.
Segue-se uma imagem de uma caixa do supermercado, onde dois clientes, numa primeira fase e, a operadora de caixa, numa segunda fase, carregam um enorme pacote de leite no tapete da caixa, para pagamento.
Junto à caixa, encontra-se um monte de moedas douradas, também elas de tamanho muito acima do normal.
Nesta altura, pode ouvir-se em voz-off:
- “ todas as coisas deveriam ser demasiado grandes e demasiado caras”.
Após passar o enorme pacote de leite, passa uma pequena embalagem de Fairy.
Nesta altura, pode ouvir-se em voz-off:
- “ Todas, excepto Fairy”;
-“ É tão concentrado que dura até 12 semanas”
Nesta altura pode ler-se, na parte inferior do écran, em grandes letras:
- “ Dura até 12 semanas”
E, por baixo, em letras mais pequenas, o disclaimer:
“ Cálculos para uma garrafa de 950 ml. Pode variar conforme hábitos de consumo”
E, em voz-off:
- “ Isto sim é poupar”;
- “ Fairy. Durar é poupar”
O spot publicitário termina com uma embalagem de Fairy acompanhada da imagem de uma gota verde em movimento, tudo sob o claim:
- “ Fairy. Durar é poupar.”
“Um outro anúncio televisivo (…) recorre exactamente aos mesmos claims, utilizando, desta feita, um rolo de papel higiénico gigante e um pacote de batatas fritas igualmente grande, em lugar da pasta de dentes e da esponja de banho.” (Sic. art.º 2.º da queixa e DOC. 2 junto).
1.3.1.2. No que tange aos materiais de pontos de venda (vd. DOCS. 4. a 10. junto aos autos pela UNILEVER), são objecto da questão controvertida, as seguintes alegações publicitárias:
- “ Que tamanho deveriam ter as coisas para durarem tanto como Fairy?”;
- “ Já imaginou o tamanho que as suas compras deveriam ter para durar o mesmo que Fairy?”;
- “ Deveriam ser demasiado grandes e demasiado caras”;
- “ Dura até 12 semanas”;
- “ Dura até 18 semanas”;
- “ 4 X mais poder anti-gordura”;
- Carro de supermercado contendo um rolo de papel higiénico, uma embalagem de pasta de dentes e uma embalagem de leite, os quais, atentas as suas grandes dimensões, enchem aquele. ( Claim visual).
1.3.1.3. No que concerne ao suporte embalagem (vd. DOCS. 11. a 17. junto aos autos pela UNILEVER), destacam-se os seguintes claims:
- “ 4 X mais poder anti-gordura”;
- “ Pode durar até 18 SEMANAS” (vd. DOC. 11);
- “ Pode durar até 15 SEMANAS” (vd. DOC. 12);
- “ Pode durar até 12 SEMANAS” (vd. DOC. 13);
- “ Pode durar até 10 SEMANAS” (vd. DOC. 14);
- “ Pode durar até 8 SEMANAS” (vd. DOC. 15);
- “ Pode durar até 7 SEMANAS” (vd. DOC. 16).
Nos rótulos correspondentes, as palavras “ Pode durar até” têm um tamanho mais reduzido, surgindo as palavras “ # SEMANAS” num tamanho bastante maior, com um impacto visual substancialmente superior. (Cfr. DOCS. 11. a 17. junto aos autos pela Requerente).
As alegações supra referidas são acompanhadas pelo disclaimer , em caracteres muito mais reduzidos (vd. DOCS. 11. a 17. junto aos autos pela UNILEVER):
- “ Do que as marcas de fabricantes de lava-loiças tradicionais em plásticos (gordura pura, em solução e sem agitação”.
1.4. Das alegações das Partes
1.4.1. Do claim dura até x semanas
1.4.1.1. Alega a UNILEVER em sede de queixa, o claim em apreço consubstancia uma prática de concorrência desleal e de publicidade enganosa, pelo seguinte:
(i) “…para saber exactamente quanto tempo durará uma embalagem do referido detergente, há um dado que é absolutamente fundamental: o de saber qual é o hábito de consumo de quem o adquire” (sic. art.º 22.º) e que “…por mais estudos de mercado que se façam e médias ponderadas a que tais estudos dêem origem, não é simplesmente possível obter uma regra constante relativamente ao tempo de duração de uma embalagem de detergente, na casa de todos os consumidores ou para a generalidade dos consumidores” (sic. art.º 24.º), acrescentando ainda que “À letra, a referida publicidade pretende transmitir a ideia de que a embalagem publicitada, independentemente das circunstâncias, durará as tais “ 12 semanas”.” (sic. art.º 25.º);
(ii) “Não é, evidentemente, pelo facto de se introduzir em letras pequenas a expressão “Pode durar até” que o claim passa a ser admissível (sic. art.º 6.º)” e que “…não se venha dizer que a frase “Pode variar conforme hábitos de consumo”, inserida na parte final dos anúncios televisivos, serve como álibi para transformar o claim falso em verdadeiro” (sic. art. 42.º), “Desde logo, porque só após repetidas e detalhadas visualizações dos spots o seu destinatário a consegue ler, tendo em conta o seu tamanho diminuto e a rapidez com que está no ar (2 segundos)” (sic. art.º 43.º);
(iii) “…não existiu qualquer critério para a determinação da duração do produto, o qual não tem qualquer base fáctica” (sic. art.º 64.º), acrescentando que a “…percepção do consumidor não poderá ser outra, que não seja a de que o produto Fairy, anunciado em suporte de televisão, no ponto de venda e nas próprias embalagens, tem uma duração acima do que seria “normal”. (sic. art.º 67.º, negrito do JE).
1.4.1.2. Contraditando a argumentação da UNILEVER, sustenta a P&G, em síntese, o seguinte:
(i) “… a única campanha em causa nos tais spots televisivos é a campanha relativa à duração das embalagens Fairy, e não aquela outra relativa à sua eficácia antigordurante.” (sic. ponto 107.);
(ii) “Todos os claims que compõem a campanha publicitária em apreço, e que contêm afirmações relativas à duração que pode atingir uma determinada embalagem de Fairy, são sustentados em testes científicos e em dados recolhidos de fontes credíveis e oficiais, tendo os mencionados testes sido certificados por uma das mais conceituadas e respeitadas empresas de certificação a nível internacional – a SGS – e confirmados pelos dados relativos ao consumo de Fairy;” (sic. ponto 61.).
1.4.2. Dos claims visuais constantes dos spots publicitários televisivos e nos materiais de ponto de venda
1.4.2.1. No que tange à comunicação publicitária veiculada em suporte televisão e pontos de venda, defende ainda a UNILEVER que, a campanha é enganosa e constitui uma prática comercial desleal, porquanto:
(i) “…a P&G alega, na sua publicidade, que Fairy tem uma eficácia, pelo menos, quatro vezes superior à dos restantes detergentes”, (sic art.º 118.º) acrescentando que “Para ilustrar essa pretensa eficácia, utiliza nos spots sub judice, sob o tema “Que tamanho deveriam ter as coisas para durarem até 12 semanas como Fairy”, um conjunto de objectos em tamanho desproporcionalmente grande” (sic. art.º 119.º), que “…a passagem destas imagens associadas ao detergente Fairy pretendem criar a ilusão de que o dito detergente tem uma eficácia semelhante ao de uma embalagem aumentada da mesma forma que as restantes embalagens o foram” (sic. art.º 124.º) e que “…Fairy não tem essa eficácia.” (sic. art.º 125.º).
1.4.2.2. Contestando a posição da Requerente, vem a Requerida defender que, de acordo com a decisão proferida a este propósito pelo Júri do ICAP, no âmbito do Processo n.º 32J/2007:
(i) “…neste caso, se trata do chamado “exagero publicitário” vulgar e inócuo, que não produz efeitos enganosos no convencimento do consumidor. Está rodeado dum contexto que de forma alguma leva a ser interpretado à letra pelo consumidor médio. Assim sendo, não havendo, no caso, afirmações falsas, nem susceptíveis de induzir em erro o consumidor, não há publicidade enganosa, nem, em consequência, haverá por aí concorrência desleal”. “ (sic. ponto 116.).
1.4.3. Do claim 4x mais poder anti-gordura
1.4.3.1. A propósito desta alegação publicitária, e em síntese, aduz a Requerente na sua queixa que a Requerida praticou publicidade enganosa e um acto de concorrência desleal, atendendo a que:
(i) “… o claim, quando utilizado nos pontos de venda, não faz referência a qualquer ponto de comparação (cfr. DOC. 7, 8, 9, 10)” (sic. art.º 78.º), acrescentando que “… fica no ar a questão: quatro vezes quando comparado com o quê?” (sic. art.º 80.º) e que “Nos pontos de venda onde esta publicidade se encontra colocada, o consumidor não encontra a resposta” (sic. art.º 81.º) e “Nas embalagens, consegue-se ler, não sem algum esforço, a referência, em letras praticamente ilegíveis “Do que as marcas de fabricantes de lava-loiças tradicionais em plásticos (gordura pura, em solução e sem agitação)”.” (sic. art.º 83.º);
(ii) “A (praticamente inexistente) explicação deixará qualquer consumidor, senão na mesma posição de ignorância, pelo menos confuso” (sic. art.º 84.º) e que “No estudo apresentado pela P&G na referida consulta ao ICAP, elaborado pela entidade Belga SGS, cuja cópia se junta como DOC. 19, após efectuados os testes nele descritos, conclui a dita entidade “This means that Fairy Ultra Lemon lasts 1.4 times longer than CIF Active Gel Limão Verde and 3.1 times longer than Superpop Limão”” (sic. art.º 90.º);
(iii) “…o claim “4 x mais poder anti-gordura” utilizado nas embalagens do detergente Fairy, com ou sem a explicação complementar, é ambíguo e leva o consumidor ao engano, por lhe faltar o esclarecimento mínimo do ponto de referência em que se baseia” (sic. art.º 115.º) e que, ainda “…que se admita que o consumidor lerá o claim secundário “Do que as marcas de fabricantes de lava-loiças tradicionais em plásticos (gordura pura, em solução e sem agitação)”, o mesmo não resulta esclarecedor do claim principal, antes contribuindo para uma maior confusão do consumidor médio quanto ao ponto de referência utilizado para afirmar a superioridade do produto Fairy.” (sic. art.º117.º);
(iv) “…Como facilmente se conclui da visualização das embalagens de Fairy, junto ao claim principal consta um claim secundário esclarecedor, legível e explicativo que concretiza de forma clara os termos da alegação principal.” (sic. ponto 83.).
1.4.3.2. Defendendo a licitude da sua comunicação publicitária, sustenta a P&G na sua contestação, e em suma, que:
(i) “…a Requerente (…) utiliza aspectos de uma campanha para sustentar a alegada ilicitude da outra, como sucede, por exemplo, com a invocação dos testes que serviram de base à campanha «dura até x semanas» para defender a suposta falsidade dos claims atinentes à campanha «4 x mais poder anti-gordura», e, por outro lado, recorre aos claims desta última campanha para proclamar o suposto carácter desleal dos spots televisivos relativos àquela outra” (sic. ponto 4.), “Pelo que, impõe-se desde já esclarecer, de modo inequívoco, que estamos na presença de duas campanhas totalmente autónomas e distintas entre si, como o comprova, maxime, o facto de a campanha «4 x mais poder anti-gordura» já nem sequer se encontrar em difusão.” (sic. ponto 5.);
(ii) “…o relatório junto pela Unilever como Doc. n.º 19 diz apenas respeito ao poder de duração do Fairy, utilizando o denominado «suds mileage test», que mede a duração do detergente de acordo com um protocolo internacionalmente reconhecido e utilizado pelas principais empresas e institutos, tal como foi supra explicado.” (sic. ponto 72.);
(iii) “Ora, (…) uma coisa será medir a duração do detergente em contacto com loiça suja, através de uma acção mecânica que permita concluir a quantidade de loiça que um detergente consegue lavar, certificando assim a utilização do claim «dura até x semanas»” (sic. ponto 73.) e que, “Outra, completamente diferente, será medir o poder desengordurante de um detergente, analisando a capacidade (…) do mesmo para remover gordura” (sic. ponto 74.) “… trata-se de propriedades distintas que correspondem a necessidades também distintas e específicas…” (sic. ponto 75.);
(iv) “…conforme resulta dos testes ao poder desengordurante certificados pela SGS, cujo relatório se junta como Doc. n.º 4, o Fairy tem um poder desengordurante mais de quatro vezes superior àquele que oferecem as principais marcas de fabricantes tradicionais comercializadas em Portugal, a saber, o Sonasol Loiças e o Super – Pop Limão, detergentes tradicionais no mercado português, conforme a própria Unilever reconhece nos artigos 95.º, 96.º e 97.º da sua Queixa”. (sic. ponto 77.).
2. Enquadramento e fundamentação ético-legal
De acordo com o artigo 9.º do Código de Conduta do ICAP, e respectivamente, “A publicidade deve ser legal, decente, honesta e verdadeira.”
De referir ainda pelo Júri que, nos termos do artigo 12.º daquele Código, sob a epígrafe “HONESTIDADE”, a “…publicidade não deve abusar da confiança nem explorar a falta de experiência ou de conhecimentos do destinatário.”
Nos termos do disposto no n.º 1, alínea a) do artigo 14º do mesmo Código de Conduta do ICAP, que encontra correspondência nos artigos 10.º e 11.º do Código da Publicidade (o último, de acordo com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, artigos 7.º e 23.º), esta deve “…proscrever toda a declaração ou apresentação que, directa ou indirectamente, por via de omissões ou ambiguidades, bem como por virtude de todos e quaisquer exageros apresentados induza ou seja susceptível de induzir em erro o destinatário, nomeadamente no que às características do bem ou serviço, como a natureza e a composição (…) nomeadamente no que se refere a: a) Características do bem ou serviço, como a natureza (…) possibilidades e resultados da utilização (…) eficiência e desempenho.”
Em conformidade com o artigo 10.º do Código da Publicidade, esta “...deve respeitar a verdade, não deformando os factos” (cfr. n.º1), devendo as “...afirmações relativas à origem, natureza, composição e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados...” ser “...exactas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes.” (cfr. n.º 2.), considerando-se publicidade enganosa em sede do n.º 1 do artigo 11.º daquele diploma legal, aquela que ”...seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores” e em cujo artigo 4.º se estipula que “São proibidas as práticas comerciais desleais”.
Dispõe-se no artigo 5.º, n.º 1 que “1 – É desleal qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que afecte este relativamente a certo bem ou serviço.”
Por seu turno, de acordo com o n.º 1, alínea a) do artigo 7.º daquele Decreto-Lei, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo: (1.) A existência ou a natureza do bem ou serviço; (a)) As características principais do bem ou serviço, tais como (...) as suas vantagens, os riscos que apresenta (...) a sua composição (...) ou os resultados que podem ser esperados da sua utilização...”.
Por outro lado, porque foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr., designadamente, actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado do artigo 30.º, n.º 2 do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância.
2.1. Do claim dura até X semanas
Analisados os Docs. n.ºs 1 a 3 juntos aos autos com a contestação (Declarações da TNS/Euroteste (Docs. n.ºs 1 e 2) e Recommendation for the Quality Assessment of the Cleaning Performance of Hand Dishwashing Detergents (Doc. n.º 3), entende o Júri que a veracidade do claim «dura até x semanas», nas suas diferentes versões, fica comprovada:
- por dados técnicos independentes que demonstram a quantidade de itens que os consumidores podem lavar com cada dose de detergente Fairy, em conjugação com uma estimativa do número médio de itens sujos com restos de comida que são lavados semanalmente em cada lar português;
- por dados científicos concernentes à frequência e volume de compra do produto Fairy e à composição média do agregado familiar em Portugal.
Mais, considera o Júri que, o disclaimer “ Cálculos para uma garrafa de 950 ml. Pode variar conforme hábitos de consumo” aliás, legível, se encontra em perfeita coerência com a expressão “ até X” utilizada no claim em apreço.
Pelo exposto, o JE entende não colherem as alegações da UNILEVER produzidas no sentido de que claim «dura até x semanas», nas suas diferentes versões, consubstancia uma prática de publicidade enganosa e de concorrência desleal. (Cfr. art.ºs 17.º a 75.º da petição).
2.2. Dos claims visuais constantes dos spots publicitários televisivos e nos materiais de ponto de venda
Analisados os documentos juntos aos autos com a queixa, e correspondentes a tais alegações publicitárias – conjugadas com o claim analisado no ponto anterior – , entende o Júri que, não obstante discordar frontalmente com a Requerida, no que concerne ao alegado a ponto 112. da contestação, subscreve inteiramente o teor dos respectivos pontos 110. a 116., de acordo com os quais:
“Contrariamente ao que afirma a Requerente, a utilização de tais objectos está claramente compreendida na liberdade de criação artística sempre presente no mundo da publicidade, não passando de um modo de transmissão de uma mensagem de uma forma exagerada ou hiperbolizada (mas legítima[1]), tão comum nos anúncios televisivos.
Diga-se, aliás, que é precisamente esse o motivo – ou seja, a permissão de utilização de imagens exageradas, hiperbolizadas ou até ficcionadas – pelo qual a Lei obriga a que se identifique, de modo inequívoco, a publicidade como tal (cfr. artigo 21.º do Código de Conduta do ICAP).
Aliás, segundo a doutrina mais autorizada[2], são três as notas características da «hipérbole publicitária», figura jurídica que beneficia de um menor (que não nulo) rigor na aplicação do juízo de veracidade, a saber: (i) deve tratar-se de uma alegação concreta; (ii) deve ter um núcleo verdadeiro; e (iii) não deve ser tomada seriamente pelo público.
Ora, como é bom de ver, o spot televisivo em causa preenche os três requisitos desta avisada e acertada doutrina, uma vez que (i) consiste numa alegação concreta relativa à longa duração do produto devida ao seu carácter concentrado, (ii) baseia-se em estudos e testes científicos que comprovam a veracidade de tal alegação e, finalmente, (iii) recorre a exemplos comparativos que são, naturalmente, percepcionados pelo público como exageros publicitários, que pretendem apenas, de um modo ilustrativo e criativo, transmitir uma determinada mensagem, a qual, recorde-se, corresponde inteiramente à verdade.
Importando também relembrar aqui que estamos a navegar no mundo da publicidade, onde é reconhecido que as mensagens são, muitas das vezes, apresentadas de forma exagerada ou ficcionada, sendo, inclusivamente, do conhecimento público que assim é.
Veja-se, de resto, a decisão proferida a este propósito pelo Júri do ICAP, no âmbito do Processo n.º 32J/2007: «Quanto aos demais factos apurados, a única dúvida que poderia subsistir seria a de que o uso do termo “milagre”, no contexto em que é usado, teria esse efeito enganoso, uma vez que esta Comissão considerou provado que ele é exagerado, mesmo com o aludido desvio semântico, para qualificar a situação em causa. Mas, ainda assim, parece mais curial entender que, neste caso, se trata do chamado “exagero publicitário” vulgar e inócuo, que não produz efeitos enganosos no convencimento do consumidor. Está rodeado dum contexto que de forma alguma leva a ser interpretado à letra pelo consumidor médio. Assim sendo, não havendo, no caso, afirmações falsas, nem susceptíveis de induzir em erro o consumidor, não há publicidade enganosa, nem, em consequência, haverá por aí concorrência desleal.».”
Em suma, acrescenta o Júri, nem tudo o que é ficcionado é enganoso, da mesma forma que, ”verdades” existem susceptíveis de serem enganosas.
Termos em que, constitui posição do JE a de que, a comunicação publicitária da responsabilidade da P&G caracterizada pelos claims visuais embalagem de Fairy versus“embalagens enormes” não se encontra em desconformidade com a moldura ético-legal invocada pela UNILEVER.
2.3. Do claim 4x mais poder anti-gordura constante dos materiais de ponto de venda e embalagens
Tem o Júri presente, o facto alegado pela P&G no sentido de a sua comunicação publicitária sintetizada pelo claim “4X mais poder anti-gordura” já ter cessado. (Cfr. ponto 5. da contestação).
Não obstante, cumpre ao JE pronunciar-se.
Relativamente à pergunta retórica formulada pela UNILEVER em ordem a concluir pela enganosidade do claim em apreço, o Júri tem a referir que não lhe repugnaria a alegada omissão: “ 4X mais poder anti-gordura” em relação “a quê” ou “a qual”? (cfr. art.ºs 90.º e 117.º da queixa), não fosse o que a seguir expõe.
Com efeito, opina o JE de que se poderia tratar aqui de um caso sui generis de publicidade de tom exclusivo não comparativa (por indeterminação da concorrência): “ 4X mais poder anti-gordura” em relação a todos os concorrentes ou, quiçá, os da própria marca (auto-comparação).
Caso, em que a P&G só teria que apresentar prova bastante de que assim é…
O problema está em que os documentos juntos aos autos pela Requerida (cfr. Docs. n.ºs 4 e 5) – tal como esta, aliás admite (cfr. ponto 91. da contestação) –, somente permitem comprovar que o detergente Fairy possui “ 4X mais poder anti-gordura” em relação às marcas Super Pop Limão e Sonasol Loiças “…e que abrangem a quase totalidade das marcas de fabricantes de detergentes diluídos” da concorrência (sic. ponto 77. da contestação).
De onde, vem a P&G alegar que o disclaimer aposto nas embalagens de Fairy « do que as marcas de fabricantes de lava-loiça tradicionais em plásticos (gordura pura, em solução e sem agitação» é de molde a sustentar a bondade da prova por si junta aos autos. Em seu entender, marcas tradicionais são a Super Pop Limão e Sonasol Loiças. (Cfr. ponto 77. da contestação).
Com a devida vénia, concorda o JE com a UNILEVER quanto à ilicitude de tal prática porquanto, de facto:
- Os caracteres do aludido disclaimer possuem uma diferença de dimensão relativamente ao claim “ 4X mais poder anti-gordura”, que propicia a indução em erro do consumidor médio, considerado este, de acordo com a acepção amplamente divulgada pela jurisprudência comunitária;
- Ainda que tal não se verificasse (e, o Júri entende que se não verifica nos materiais de ponto de venda, mas, apenas, nas embalagens, conforme DOCS. 7 e 17 juntos à petição), duvida-se que o mesmo consumidor médio tenha a obrigação de saber que detergentes tradicionais são os Super Pop Limão e o Sonasol Loiças e “congéneres”, bem como o real alcance e significado da expressão “ gordura pura, em solução e sem agitação” já que – e, esperando que não sejam só as esposas a fazê-lo (cfr. ponto 54. da contestação) – ao lavar-se a loiça ”provoca-se agitação”. Ora, perante esta, uma embalagem de Fairy tem quantas vezes mais poder anti-gordura?
Pelo exposto, entende o JE que a comunicação publicitária caracterizada pelo claim « 4 x mais poder anti-gordura» (cfr. DOC. 17 junto à queixa) consubstancia uma prática comercial desleal, para além de publicidade enganosa, por desconformidade com os artigos 9.º, 12.º e 14.º,n.º 1, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, bem como com o artigo 11.º do Código da Publicidade, na redacção que lhe é dada pelo disposto nos artigos 5.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, b) do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março.
3. Decisão
Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética Publicitária do ICAP delibera no sentido de que a comunicação veiculada nos suportes pontos de venda e embalagem, caracterizada pelo claim « 4 x mais poder anti-gordura» em apreciação no presente processo, ofende o disposto nos artigos 9.º, 12.º e 14.º, n.º 1, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, bem como os artigos 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, na redacção que lhe foi dada pelos artigos 5.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação não deverá ser reposta, quer na sua totalidade, quer em termos parciais, caso se mantenham os tipos de ilícitos apurados pelo JE.»
A Segunda Secção do Júri de Ética Publicitária do ICAP
[1] Tão legítima, aliás, como a metáfora sócio-política de Swift sobre Gulliver e os lilliputianos.
[2] C. Lema Devesa, “ La Publicidad de Tono Excluyente”, Montecorvo, Madrid, 1980, página 389.