Reunida no vigésimo dia do mês Setembro do ano de dois mil e dez, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 19J/2010 tendo deliberado o seguinte:
«Processo nº 19J/2010
Objecto dos autos
1. 1. A JOHNSON & JOHNSON, LDA. (adiante abreviada por JOHNSON, Denunciante ou Queixosa), veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante apenas Júri ou JE) solicitar a apreciação da campanha publicitária ao produto com a denominação “Herpatch” difundida pela CHEFARO PORTUGUESA – DISTRIBUIÇÃO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS, UNIPESSOAL, LDA., através de vários suportes (Embalagem, Brochura, Informação Online e spot televisivo) por alegadamente a mesma violar, entre outros, o disposto no n. º 4 do artigo 46. º do Decreto-Lei n. º 145/2009, de 17 de Junho; no artigo 7. º e n. º 1 do artigo 21. º do DL 57/2008; nos artigos 4. º, 5º, 9. º, 15. º do Código de Conduta do ICAP.
1. 2. Notificada para o efeito, CHEFARO PORTUGUESA apresentou a sua contestação.
1. 3. Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos às mesmas, a saber: 5 (cinco) documentos com a queixa e 19 (dezanove) documentos, bem como a contestação com os respectivos suportes digitais.
1. 4. Das alegações das Partes
As partes apresentam as respectivas posições dum modo bem estruturado. Em causa nos presentes autos de apreciação ético-publicitária está a campanha difundida pela anunciante, denunciada, relativa ao produto, um dispositivo médico, denominado “Herpatch”.
Ambas as partes comercializam como produto um penso, com determinadas características, destinado a ser colocado sobre a ferida provocada pelo vírus da Herpes Labial: o “Herpatch”, objecto do presente processo e comercializado pela denunciada e o Compeed Penso Herpes é comercializado pela Denunciante. (v. g. art. 20º a 22º da Queixa). Defendem, em síntese, o seguinte:
1. 4. 1. Denunciante
Para demonstrar a ilicitude da publicidade, a denunciante estrutura a sua queixa: (i) apresenta o funcionamento do vírus HSV-1, da lesão e das formas de tratamento; (ii) aborda a matéria da publicidade a dispositivos médicos, princípios e regras Código de Conduta do ICAP; (iii) indica porque considera que expressões na Embalagem, na Brochura e na Informação online disponibilizadas pela CHEFARO são ilícitas; (iv) indica por que considera que a publicidade do spot televisivo é ilícita; (v) sugere medidas para fazer cessar o comportamento ilícito (cf. art. 6. º).
No tocante ao ponto (i), destaque-se que: “ (...) De acordo com o actual estádio da ciência, o vírus HSV-1 alojado no gânglio não tem cura conhecida nem existe disponível no mercado qualquer tratamento que leve à sua total eliminação do organismo humano. ” (cf. art. 14. º), e que: “ (...) a lesão do herpes apresenta-se como uma ferida que aparece como uma reacção na replicação secundária e não se confunde com a sua causa – o vírus propriamente dito. ” (cf. art. 15. º).
Chamando à colação o seu próprio produto, refere a denunciante que: “ O Compeed Penso Herpes é um penso transparente e surgiu no mercado como uma inovação no tratamento da ferida causada pelo Herpes Labial, entre outros, precisamente pelo facto de, uma vez correctamente aplicado, parecer invisível e por conter substâncias que auxiliam na cicatrização da referida ferida. ”; “Entretanto, a CHEFARO acabou de lançar no mercado um produto para o tratamento do Herpes Labial que se configura igualmente como um dispositivo médico. ”; donde ” (...) Denunciante é directa concorrente da CHEFARO. “ (cf. art. 20º a 22º).
Partindo deste pressuposto, de comparabilidade dos produtos que caracteriza como dispositivos médicos, a denunciante (cf. art. 23. º a 38. º) invoca a legislação pertinente que, no seu entender, é aplicável:
O Decreto-Lei n. º 145/2009, de 17 de Junho, que aprovou as regras a que devem obedecer a investigação, o fabrico, a comercialização, a entrada em serviço, a vigilância e a publicidade dos dispositivos médicos e respectivos acessórios e que, no n. º 4 do artigo 46. º proíbe qualquer forma de publicidade comparativa junto do público; O artigo 11. º do Código da Publicidade, que proíbe “ toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n. º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas com os consumidores”. O Decreto-Lei n. º 57/2008, de 26 de Março, que prevê nos seus artigos 5. º a 12. º as circunstâncias passíveis de consubstanciar práticas comerciais desleais, ou seja, as condutas qualificáveis como publicidade enganosa (“Nomeadamente, prevê-se na alínea b) do artigo 6. º do referido diploma legal que são desleais “[a]s práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas referidas nos artigos 7. º, 9. º e 11. º”, dispondo a alínea a) do n. º 2 do artigo 7. º que é enganosa a prática comercial que envolva “[q]ualquer actividade de promoção comercial relativa a um bem ou serviço, incluindo publicidade comparativa, que crie confusão com quaisquer bens ou serviços (…) ”.) (cf. art. 32º e 33º) O art. 4. º (“[t]odas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras”) o art. 5. º (“ (…) respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”), o art. 9º e o art. 15º (publicidade comparativa) todos do Código de Conduta do ICAP.
Centra-se, depois, a denúncia, nas alegações publicitárias ou claims que considera serem inverídicos e violadores das normas invocadas (cf. art. 39. º a 82. º), deixando para análise separada (art. 83. º a 11. º) a mensagem difundida por intermédio do suporte televisivo.
Assim, refere, na Embalagem, na Brochura e na Informação online, são usadas as expressões:
“[t]ratamento do Herpes”;
“[o] primeiro penso para o Herpes que se auto dissolve”;
“ (…) totalmente indolor”;
“[o] primeiro penso para o Herpes com ingredientes activos”;
“ (…) penso que sela a ferida, protegendo-a das agressões externas”;
“[a]lívio da dor”;
“ (…) propriedades que não se encontram nos produtos actualmente no mercado”; e
“Herpatch é o único produto deste tipo com estas características”.
Segundo a denunciante “ (…) as expressões “ (…) propriedades que não se encontram nos produtos actualmente no mercado” e “Herpatch é o único produto deste tipo com estas características” – destaques nossos – apresentam natureza comparativa, já que (...) formulam – de forma directa no primeiro caso, e indirecta no segundo – uma comparação entre os diversos produtos disponíveis para o tratamento do Herpes Labial, em particular uma comparação entre os dispositivos médicos existentes para o efeito. ” (cf. art. 42. º e 43. º), concluindo pela ilicitude da comparação nos termos do disposto no n. º 4 do artigo 46. º do DL 145/2009 e pela existência uma prática ilícita para efeitos do disposto no n. º 1 do artigo 21. º do DL 57/2008, na medida em que usam expressões passíveis de gerar confusão no consumidor acerca dos dispositivos médicos aconselhados para o Herpes.
Acresce, segundo a denunciante, que dizer o “Herpatch” é “[o] primeiro penso para o Herpes com ingredientes activos” não corresponde à verdade já que o Compeed Penso Herpes, anteriormente disponível no mercado, desenvolveu uma tecnologia inovadora à base de hidrocoloides (Nanocolloid-075®), contendo substâncias que ajudam a cicatrizar mais rapidamente a ferida provocada pelo HSV-1 promovendo, ao mesmo tempo, uma solução adequada para isolar a ferida evitando o contágio, (cf. art. 51. º a 53. º) consubstanciando, assim, uma violação ao disposto nos art. 6. º e 10. º do Código da Publicidade, aplicável aos dispositivos médicos ex vi art. 57. º do DL 145/2009.
Diz, ainda, a “ (...) CHEFARO afirma, simultaneamente, que aquele dispositivo médico seria “[o] primeiro penso para o Herpes que se auto dissolve” e que “ (…) [o] penso sela a ferida, protegendo-a das agressões externas” quando “ a possibilidade de auto dissolução do penso é contraditória e, portanto, incompatível, com a capacidade do referido produto selar a ferida e a proteger de agressões externas. ” (cf. art. 64. º e 65. º) e que “expressões “ (…) totalmente indolor” e “[a]lívio da dor” (...) se revela, pela própria natureza das coisas, incompatível e contraditória. ”
“ (...) ao divulgar, juntamente com a publicidade que veicula, instruções de utilização do penso “Herpatch” em que esclarece os seus potenciais utilizadores sobre o modo como o deverão retirar, a CHEFARO acaba, também, por assumir que uma das características essenciais que – segundo a referida sociedade – diferencia o dispositivo médico por si distribuído dos seus concorrentes presentes no mercado português – ser auto-dissolúvel – não é verdadeira. ” (art. 78. º).
Quanto ao anúncio televisivo, a denunciante, reiterando estar perante uma publicidade comparativa proibida por lei, faz uma descrição do mesmo insurgindo-se especialmente com o modo como é apresentada a forma de retirar o penso acompanhado de expressões visuais e voz-off “Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar”.
Entende a denunciante que o público consumidor a que se destina o anúncio em causa identifica os pensos comercializados pela queixosa - Compeed Penso Herpes – sendo a mensagem susceptível de denegrir a imagem dos concorrentes, particularmente a sua (cf. art. 97. º a 104. º).
A denunciante invoca, ainda, uma deliberação anterior do JE para concluir que a expressão “Herpatch protege imediatamente a ferida enquanto as suas propriedades activas actuam no herpes” causa a impressão no consumidor que o penso “Herpatch” actua sobre o vírus, o que não é verdade, pelo que será publicidade enganosa para efeitos do disposto no artigo 9. º n. º 1 e 15. º n. º 2 alínea a) do Código de Conduta do ICAP.
Conclui, finalmente, a denunciante, requerendo ao JE: “ (...) digne ordenar à CHEFARO a imediata cessação da publicidade ao penso para o Herpes Labial “Herpatch” que contenha as expressões ilícitas acima assinaladas, bem como a cessação e a proibição de utilização de tais expressões em eventuais campanhas publicitárias, folhetos e outros meios de divulgação do mesmo produto. ” E “ (...) ainda, que a CHEFARO seja instada a indicar o (s) meio (s) de comunicação através dos quais tenha divulgado as afirmações que consubstanciam publicidade enganosa e comparativa, nos termos e para os efeitos acima melhor expostos. ”
1. 4. 2. Denunciada
Após suscitar como questão prévia a sua condição de não sócio do ICAP, a denunciada refuta a argumentação apresentada na queixa dizendo, em síntese:
O produto objecto de publicidade é um dispositivo médico cujas características e propriedades se encontram atestadas por declaração emitida põe entidade competente para o efeito (c. v. g. art. 20. º e Doc. 1).
Os claims postos em causa pela denunciante não são transversais a todos os suportes, esclarecendo (cf. art. 26. º): “Assim, vejamos:
“Tratamento do Herpes”
Consta apenas da “Brochura”, junta como Doc. 3 pela J&J.
“O primeiro penso para o Herpes que se auto dissolve” Consta apenas da “Brochura”, junta como Doc. 3 pela J&J.
“ (...) totalmente INDOLOR” Consta apenas da “Brochura”, junta como Doc. 3 pela J&J.
“O primeiro penso para o Herpes com ingredientes activos” Consta apenas da “Brochura”, junta como Doc. 3 pela J&J.
“ (...) penso que sela a ferida, protegendo-a das agressões externas” Consta apenas da “Brochura”, junta como Doc. 3 pela J&J.
“Alívio da dor... ”
Consta da “Brochura” e da “Embalagem”, juntos como Doc. 3 e Doc. 1, respectivamente, pela J&J.
“ (...) propriedades que não se encontram nos produtos actualmente no mercado” Consta apenas na “Informação Online”, i. e. no site www.herpatch.com
“Herpatch é o único produto deste tipo com estas características” Consta apenas na “Informação Online”, i. e. no site www.herpatch.com
“Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar” Consta apenas do “Anúncio Televisivo”.
“Herpatch auto-dissolve-se sozinho” Consta apenas do “Anúncio Televisivo”.
“Herpatch protege imediatamente a ferida enquanto as suas propriedades activas actuam no herpes” Consta apenas do “Anúncio Televisivo”.
A denunciada procura então, quanto a cada um dos claims demonstrar a sua veracidade remetendo, em muitos dos casos, para a documentação que junta e ilustrando com exemplos de claims publicitários utilizados pela denunciante e outras concorrentes que comercializam dispositivos médicos destinados ao mesmo grupo de consumidores.
Quanto à qualificação da publicidade em causa como publicidade comparativa (cf. art. 130. º e sgs), vem a denunciada argumentar que: “ (...) na publicidade em apreço, como se verá, não se identifica, de forma alguma, um concorrente nem os bens ou serviços oferecidos por um concorrente. (...) A identificação tem de ser possível de ser configurada pelo destinatário da mensagem publicitária, o que, no caso em apreço, não acontece. ” apelando, em reforço dos seus argumentos à existência de jurisprudência do JE sobre o tema e sustentando que a sua mensagem deverá ser qualificada como publicidade de “tom excludente” contendo “afirmações que não comportam em si mesmo uma comparação que identifica um concorrente ou um produto de um concorrente, mas sim difunde afirmações que são apenas relativas à superioridade ou posição de proeminência do produto anunciado. ”.
Conclui, a denunciada, da seguinte forma (cf. art. 160. º e sgs):
“ (...) Na verdade a publicidade em apreço é lícita porquanto:
Os claims “Tratamento do Herpes” e “Herpatch protege imediatamente a ferida enquanto as suas propriedades activas actuam no herpes” São verdadeiros e encontram-se comprovados. São feitos num contexto que não dão azo à susceptibilidade de os destinatários da mensagem entenderem que o produto em apreço tem propriedade curativas do vírus HSV-1, que nunca é sequer referido, pelo contrário, deixando-se claro que é de Herpes Labial que se fala.
Estão comprovadas as propriedades activas do produto.
O claim “O primeiro penso para o Herpes com ingredientes activos”
Feita a análise aos demais produtos que existem no mercado português verifica-se que nenhum outro tem ingredientes activos, sendo que alguns referem mesmo não ter tais características, como é o caso do Compeed da J&J, apesar de esta apresentar uma versão diferente dos factos. O claim “O primeiro penso para o Herpes que se auto dissolve” Feita a análise aos demais produtos que existem no mercado português verifica-se que nenhum outro tem propriedades dissolúveis, sendo que alguns são mesmo resistentes à água, como o penso Compeed.
Os claims “O primeiro penso para o Herpes que se auto dissolve”, “Herpatch auto-dissolve-se sozinho” e “ (...) penso que sela a ferida, protegendo-a das agressões externas” Encontra-se claramente confirmados, não só através da explicação técnica das características do produto, mas também pela aos demais produtos que existem no mercado português que não detém propriedades dissolúveis.
Os claims “Alívio da dor... ”, “ (...) totalmente INDOLOR” e “Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar”
Deixou-se demonstrado que o produto proporciona efectivamente alívio da dor, não só porque apresente as características genéricas que os demais produtos penso para Herpes apresentam, nomeadamente a cobertura da lesão, mas também porque os seus ingredientes actuam activamente na mesma. Clarificou-se também a inexistência de contradição na expressão totalmente INDOLOR, que claramente se refere ao modo de utilização do produto que, por ser dissolúvel, não provoca dores que podem verificar-se em pensos que se descolam, como resulta de um teste levado a cabo pela própria J&J. Razão pela qual, sendo verdade que alguns pensos podem ser dolorosos ao retirar, nomeadamente o Compeed, não existe qualquer denegrição.
Os claims “Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar”, “ (...) propriedades que não se encontram nos produtos actualmente no mercado” e “Herpatch é o único produto deste tipo com estas características”
Deixou-se clarificado que os claims em apreço não constituem publicidade comparativa por não identificaram, quer explícita, quer implicitamente, um concorrente ou os produtos ou serviços oferecidos por este. O primeiro claim porque não comporta sequer uma comparação, mas sim um juízo publicitário hipotético – que está até comprovado nos autos – e os restantes porque se reconduzem à figura da publicidade de tom excludente, que não tem natureza comparativa por essência, encontrando-se a veracidade de tais afirmações comprovada nos autos. ”
2. Enquadramento ético-legal
2. 1. Da questão prévia
Sem prejuízo da resposta que apresentou, a denunciada suscitou como questão prévia o facto de não ser associada do ICAP.
Trata-se duma questão que não é nova para o JE e que justifica uma explicação breve.
O ICAP - INSTITUTO CIVIL DA AUTODISCIPLINA DA COMUNICAÇÃO COMERCIAL que instituiu e mantém em funcionamento o JE – Júri de Ética, é um organismo que promove a auto-regulação em material de publicidade e comunicação comercial e que conta, entre os seus associados, para além de inúmeros anunciantes dos vários sectores económicos e/ou suas associações representativas, a generalidade dos meios i. e. dos veículos utilizado para a divulgação da mensagem de comunicação comercial.
No âmbito da auto-regulação, os associados do ICAP respeitam as decisões e deliberações tomadas pelo JE, não sendo por isso essencial que, para efeitos de apreciação duma mensagem publicitária ou comunicação comercial, queixoso e denunciante sejam associados do ICAP. Tal é o que resulta hialinamente do Regulamento do JE e Estatutos do ICAP para cuja consulta mais detalhada se remete, se necessário.
Recorda-se ainda que, de acordo com o disposto no n. º 3 do art. 30. º do Código de Conduta: “ (…) Os sócios do ICAP e os membros associados das Associações e outras congéneres filiadas no Instituto, bem como quaisquer entidades, incluindo não membros, que submetam questões à apreciação do JE – Júri de Ética, são obrigados a acatar prontamente, na letra e no espírito, as decisões oriundas, nomeadamente, dos órgãos sociais do ICAP e do JE – Júri de Ética. “.
Em conclusão, o JE pronunciar-se-á sobre a publicidade que lhe foi submetida a apreciação independentemente da qualidade de associado ou não duma das partes, como é o caso.
2. 2. Da alegada ilicitude de publicidade
A publicidade em apreciação, veiculada em diferentes suportes com mensagens de teor diferente entre si exige primeiramente uma análise dos claims individualmente questionados. Assim:
2. 2. 1. Os claims “Tratamento do Herpes”; “Herpatch protege imediatamente a ferida enquanto as suas propriedades activas actuam no herpes”; “O primeiro penso para o Herpes com ingredientes activos”
Refere a denunciante que o seu produto Compeed Penso Herpes é mais antigo e contém substâncias que ajudam a cicatrizar mais rapidamente a ferida provocada pelo HSV-1 promovendo, ao mesmo tempo, uma solução adequada para isolar a ferida evitando o contágio.
A circunstância do Compeed Penso Herpes ser anterior não é contestada, simplesmente a denunciada defende que o dispositivo médico concorrente não possui ingredientes activos (cf. art. 56. º a 82. º). Junta para tal documentação da própria denunciante onde é afirmada a inexistência de princípio activo e sustenta, ainda, igual argumentação para outros produtos concorrentes (Penso SOS Herpes da Hansaplast; Hartmann Tiritas Hydro Labial; Zoviprotect).
Face a estes elementos e pese embora a inexistência duma previsão de contraditório por parte da queixosa após a contestação, o JE tende a reconhecer que a afirmação “O primeiro penso para o Herpes com ingredientes activos” se encontra suficientemente comprovada pela denunciada.
2. 2. 2. Os claims “O primeiro penso para o Herpes que se auto dissolve”, “Herpatch auto-dissolve-se sozinho” e “ (...) penso que sela a ferida, protegendo-a das agressões externas”
Invoca a queixosa existirem contradições susceptíveis de induzir em erro o consumidor quando analisados estes claims da denunciada referindo (art. 65. º) que “ (...) a possibilidade de auto dissolução do penso é contraditória e, portanto, incompatível, com a capacidade do referido produto selar a ferida e a proteger de agressões externas. ” e que “Sendo o penso “Herpatch” – conforme alegado pela CHEFARO – auto-dissolúvel, a ferida vai, progressivamente, perdendo o isolamento que o penso lhe conferia, ficando por isso exposta a agentes externos e possibilitando a progressão e disseminação dessa manifestação do vírus do Herpes Labial. ” (cf. art. 67. º).
Em resposta, diz a denunciada que: “O que está a comunicar é claramente o seguinte: o penso dissolve-se automaticamente ao longo de algumas horas de utilização MAS, se por qualquer razão o consumidor desejar remover o penso antes de este se ter dissolvido (e. g., se o consumidor quiser lavar a cara, lavar os dentes, etc.) deverá humedecer o penso, ou o que resta dele, passando com água, i. e. não o destacando de modo a não abrir a lesão. ”.
Junta a denunciada documentação vária sustentando a veracidade das afirmações.
Analisada a mensagem no seu contexto concreto, tende o JE a considerar inexistir a apontada contradição e que o facto do penso poder ser retirado não é contraditório com o ser auto-solúvel nem o facto de ter esta característica o torna um instrumento disseminador do vírus já que existe toda uma documentação e literatura de utilização que deve ser lida e respeitada pelo consumidor. Note-se, ademais, que a publicidade analisada tampouco apresenta comportamentos de risco que se devam relevar pelo que, quanto a este ponto, entende o JE que as afirmações se encontram comprovadas e não têm inerente qualquer ambiguidade ou contradição susceptível de induzir em erro o consumidor.
2. 2. 3. Os claims “Alívio da dor... ”, “ (...) totalmente INDOLOR” e “Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar”
Aponta, também, a queixosa a contradição das afirmações “alívio de dor” e “totalmente indolor”.
Ora, salvo o devido respeito, parece ao Júri, uma vez enquadradas no respectivo contexto ser perceptível que uma e outra informação têm um objecto distinto, sendo por isso insusceptíveis de comparação e de conduzir à conclusão pretendida. Com efeito, resulta claro da mensagem que o “alivio de dor” se refere à dor causada pelo vírus enquanto que o totalmente indolor se refere à aplicação/retirada do dispositivo médico, destrinça que é fácil de realizar e é perceptível ao consumidor médio destinatário da mensagem.
Quanto ao último claim relacionado com a dor “Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar”, refere a denunciante que existe denegrição da sua imagem ao fazer crer, com a mensagem, que a retirada dos pensos dos produtos concorrentes, nomeadamente o seu, é causador de dor.
Ora, enquanto dispositivo médico, o penso será um dos mais comuns e certamente um dos mais experimentados pelos consumidores ao longo da vida.
É inevitável a associação da palavra “penso” à ideia do seu arranque e, irremediavelmente, à ideia duma dor, breve, concentrada.
Vislumbra-se, pois, com dificuldade, aceitar, como pretende a queixosa, que a afirmação, constante da publicidade televisiva “Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar” denigre a imagem dos concorrentes.
Questão diversa seria a falsidade da afirmação mas, essa, não foi colocada e o JE não dispõe de elementos que permitam concluir nesse sentido.
Acresce que, também quanto a este claim a denunciada procura comprovar documentalmente os efeitos que alega pelo que, de novo, numa perspectiva indiciária face aos elementos sujeitos a apreciação, o JE considera que os claims acima não geram dúvidas ou ambiguidades e se encontram suficientemente comprovados.
2. 2. 4. Publicidade comparativa - os claims “Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar”, “ (...) propriedades que não se encontram nos produtos actualmente no mercado” e “Herpatch é o único produto deste tipo com estas características”
Um argumento central da queixa apresentada é o da existência de publicidade comparativa que, embora permitida dentro de parâmetros determinados para a generalidade de produtos e serviços se encontra proibida por legislação especial no caso de dispositivos médicos, como é o caso do produto objecto das mensagens em apreciação.
Estão em causa os claims “Esqueça os pensos que podem ser dolorosos ao retirar”, “ (...) propriedades que não se encontram nos produtos actualmente no mercado” e “Herpatch é o único produto deste tipo com estas características”.
Mas duma maneira geral, a queixosa considera que as afirmações distintivas do produto anunciado que o distingam superlativamente têm implícita uma comparação com o seu próprio produto e o dos concorrentes de ambos.
Bastará, para efeitos de qualificação duma publicidade como comparativa, a existência de afirmações gramaticalmente comparativas? É certamente um indício. Mas atenderá a lei ao mesmo critério gramatical? Parece que não.
O art. 15. º Código de Conduta, na esteira do Código da Publicidade, qualifica como comparativa: “ (...) a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente. ”.
A publicidade comparativa deve, assim, permitir uma identificação i. e uma representação exacta e individualizada de um concorrente e não uma abstracção sobre todos os concorrentes do mercado.
A denunciada demonstrou adequadamente nos termos e para os efeitos do disposto no art. 12. º do Código de Conduta que as afirmações e alegações que produziu ao usar comparações genéricas, superlativas, se aplicavam a todos os seus concorrentes no mercado tornando inviável ao consumidor médio a identificação dos produtos da queixosa.
Posto o que, considera o JE que a publicidade em apreciação não consubstancia um caso de publicidade comparativa, falecendo, também quanto a este ponto, a razão à queixosa.
3. Decisão
Termos em que a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a campanha em apreciação não padece nos vícios apontados na queixa. »
A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP