Parte I – Proteção dos Direitos Fundamentais na União Europeia

Proteção dos Direitos Fundamentais na União Europeia

1. A União Europeia e os direitos fundamentais

A UE baseia-se nos valores do respeito da dignidade humanaliberdade, democracia, igualdade, no Estado de direito e respeito pelos direitos do homem (ver oartigo 2° TUE).

Um dos objetivos principais da UE é o de promover os direitos do homem, tanto internamente como no resto do mundo.

Nos Tratados, ambas as expressões «direitos do homem» e «direitos fundamentais» aparecem. A lógica subjacente à escolha entre as duas não é clara. Todavia, parece que a expressão «direitos do homem» é preferida no que diz respeito às relações externas da União (nomeadamente, nas relações com os Estados não membros e outras organizações internacionais). Em contrapartida, no que diz respeito às disposições dos Tratados relativas à dimensão interna (isto é, a defesa dos direitos fundamentais na UE) estas referem-se à expressão «direitos fundamentais». Este tutorial concentra-se na dimensão interna. Consequentemente usa-se a terminologia dos «direitos fundamentais».

No exercício das atribuições e competências conferidas pelos Tratados, as instituições da UE devem respeitar os direitos fundamentais da UE. Devem também promover a aplicação desses direitos fundamentais, desde que isso não implique uma extensão das suas competências tal como previsto pelos Tratados.

Os Estados-Membros têm o dever de respeitar os direitos fundamentais ao «implementarem o direito da UE». A Parte II deste tutorial ajuda a especificar as situações em que a UE e os seus membros têm o dever de proteger os direitos fundamentais da UE.

Antes de passar a essa parte, as secções seguintes apresentam os direitos fundamentais protegidos no âmbito da UE e os meios pelos quais os indivíduos podem recorrer das suas violações.

2. Os direitos fundamentais protegidos no âmbito da UE

Desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa em 1 de dezembro de 2009, a UE está dotada do seu próprio Bill of Rights, isto é, uma Declaração de Direitos escrita, aCarta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (em seguida, a «Carta»).

A Carta contém um Preâmbulo e 54 artigos, agrupados em sete Títulos. Os Títulos I a VI (Dignidade, Liberdade, Igualdade, Solidariedade, Direitos do Cidadão, Justiça) enunciam os direitos fundamentais concedidos. O Título VII (Disposições Gerais) estabelece um conjunto de regras relativas à interpretação e aplicação dos ditos direitos fundamentais.

Mais conhecimentos sobre a origem e conteúdo da Carta encontram-se nas secções 2.1 e 2.2 da Parte 1 do tutorial. As regras básicas do Título VII estão explicadas na Parte III deste tutorial.

A Carta tem o mesmo valor jurídico do que os Tratados em que se baseia a UE (o TUE e o TFUE). Assim, os três são igualmente considerados como lei primária da UE, e consequentemente são as fontes principais do Direito da UE. Por este motivo, as instituições da UE são obrigadas a respeitar a Carta, assim como o são os Estados-Membros, se bem que, apenas quando «implementam o Direito da UE». Isto significa que a Carta não substitui as constituições nacionais, embora possa em algumas situações prevalecer sobre elas (acerca da relação entre a Carta e as fontes nacionais sobre a proteção dos direitos fundamentais, ver secção 2, Parte III).

No entanto, a Carta não é a única fonte para a proteção dos direitos fundamentais dentro da UE.

Desde 1970, na ausência de uma declaração de direitos da UE, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem concedido a proteção dos direitos fundamentais ao considerá-los como princípios gerais do direito da UE. O tratado de Lisboa confirma esses princípios entre as fontes dos direitos fundamentais da UE (ver mais sobre isto na secção 2.3).

Além disso, a UE poderá fazer parte dum tratado internacional relativo à proteção dos direitos fundamentais. Desde 22 de Novembro de 2011, a UE faz parte da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas, o primeiro instrumento jurídico internacional vinculativo com o objetivo de estabelecer os critérios mínimos para a proteção dos direitos de pessoas com deficiência. Este é também o primeiro tratado sobre direitos do homem ao qual a UE aderiu.

Por outro lado, de acordo com o Tratado de Lisboa, a UE é obrigada a aderir à Convenção Europeia para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, melhor conhecida como Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). A CEDH, em vigor desde 1953, celebrada no contexto do Conselho da Europa, é uma organização internacional de direitos do homem que, atualmente, conta com 47 Estados dos quais 28 são membros da UE.

A CEDH foi o primeiro instrumento através do qual um grupo de Estados decidiu obrigar-se a respeitar um conjunto – maioritariamente civis e políticos- de direitos. É importante salientar que a Convenção permite que qualquer pessoa recorra sobre violações dos direitos fundamentais concedidos, por um aderente à Convenção, a um tribunal supranacional, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo.

Apesar do Tratado de Lisboa ter colocado à UE a obrigação de aderir à CEDH, no momento presente, a UE ainda não aderiu. Contudo, isto não significa que a CEDH não desempenhe qualquer papel no seio do sistema de proteção dos direitos fundamentais na UE: sobre esta questão ver a secção 2.4.

2.1 As origens da Carta da UE

Em Junho de 1999, o Conselho Europeu de Colónia concluiu que os direitos fundamentais aplicáveis ao nível da UE deveriam ser consagrados numa carta a fim de lhes dar uma maior visibilidade.

Os chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros, num encontro em Colónia, aspiraram incluir na Carta os princípios gerais estabelecidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950 tendo estes vindo das tradições constitucionais comuns nos países da UE. Além disso, a Carta deveria incluir os direitos fundamentais que se aplicam aos cidadãos da UE assim como os direitos económicos e sociais contidos na Carta Social Europeia do Conselho da Europa e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores. Deverá também refletir os princípios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

A Carta foi elaborada por uma Convenção constituída por um representante de cada país da UE e pela Comissão Europeia, assim como por membros do Parlamento Europeu e dos parlamentos nacionais.

Foi formalmente proclamada em Nice em Dezembro de 2000 pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão. Em 2007, em Estrasburgo, teve lugar uma segunda proclamação da Carta, a fim de reconhecer um conjunto de alterações introduzidas na versão inicial.

Em Dezembro de 2009, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Carta da UE recebeu um efeito jurídico vinculativo igual aos Tratados.

2.2 A Carta: Conteúdo

A Carta reúne num único documento os direitos anteriormente reconhecidos em vários instrumentos legislativos da UE e nacionais, assim como em convenções internacionais do Conselho da Europa, das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Ao tornar os direitos fundamentais mais claros e visíveis, pretende reforçar a segurança jurídica na UE.

A Carta contém um Preâmbulo e 54 artigos, estruturados em sete Títulos:

  • Título I: Dignidade (dignidade humana, direito à vida, direito à integridade da pessoa, proibição da tortura e penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, proibição da escravidão e do trabalho forçado);
  • Título II: Liberdades (direito à liberdade e à segurança, respeito pela vida privada e familiar, proteção dos dados pessoais, direito de contrair matrimónio e de constituir uma família, liberdade de pensamento, de consciência e de religião, liberdade de expressão e de informação, liberdade de reunião e associação, liberdade cultural e científica, o direito à educação, liberdade de escolha de uma profissão, o direito de exercer uma atividade profissional, o direito de propriedade, o direito de asilo, proteção em caso de afastamento, expulsão ou extradição);
  • Título III: Igualdade (igualdade perante a lei, não discriminação, diversidade cultural, religiosa e linguística, igualdade entre homens e mulheres, direitos da criança, direitos dos idosos, integração das pessoas com deficiência);
  • Título IV: Solidariedade (direito dos trabalhadores à informação e consulta na empresa, direito de negociação coletiva, direito ao emprego, proteção em caso de despedimento sem justa causa, condições justas e equitativas de trabalho, trabalho e proteção dos jovens no trabalho, vida familiar e profissional, segurança social e assistência social, cuidados de saúde, acesso a serviços de interesse económico geral, proteção do ambiente, proteção dos consumidores);
  • Título V: Cidadania (direito de eleger e de ser eleito nas eleições para o Parlamento Europeu e nas eleições municipais, o direito a uma boa administração, o direito de acesso aos documentos, o Provedor de Justiça Europeu, o direito de petição, a liberdade de circulação e permanência, proteção diplomática e consular);
  • Título VI: Justiça (direito à ação e a um tribunal imparcial, à presunção de inocência e ao direito de defesa, aos princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas, direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito;
  • Título VII: Disposições gerais relativas à aplicação e interpretação da Carta (âmbito de aplicação; alcance e interpretação dos direitos e dos princípios; relações com a CEDH; distinção entre «direitos» e «princípios»; nível de proteção).

2.3 Princípios gerais do direito da UE em matéria de proteção dos direitos fundamentais

O Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia não contém disposições sobre a proteção dos direitos fundamentais. No entanto, os primeiros processos apresentados no Tribunal de Justiça revelaram que as ações da CEE poderiam interferir com direitos como, nomeadamente, a liberdade de exercer uma atividade económica ou o direito de propriedade.

Já nos anos 70, o Tribunal de Justiça reconheceu que era competente para assegurar o respeito dos direitos fundamentais ‘como parte integrante dos princípios gerais do direito’ (ver Processo 11-70 Internationale Handelsgesellschaft, § 4). Por conseguinte, os tribunais nacionais devem abster-se de examinar as ações da CEE em relação às fontes internas sobre a proteção dos direitos fundamentais.

Posteriormente, o Tribunal afirmou que também os atos nacionais abrangidos pelo (então) direito comunitário deveriam respeitar os direitos fundamentais protegidos pelo mesmo como princípios gerais (ver Processo C-60/84 Cinéthèque, § 26).

No entanto, para estabelecer uma ligação entre os direitos fundamentais nacionais e os direitos fundamentais da CEE, o Tribunal de Justiça afirmou também estar vinculado a «inspirar-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros» (ver Processo 4-73 Nold, § 13). Do mesmo modo, referia-se a «tratados internacionais para a proteção dos direitos do homem sobre os quais os Estados-Membros colaboraram ou dos quais são signatários» como fonte de «orientações» (ibid.). O Tribunal de Justiça declarou igualmente que a CEDH tem uma importância especial (ver Processo C-260/89 ERT, § 42).

O artigo 6.°, n.° 3, TUE, na sua versão atual, estabelece: «Os direitos fundamentais tal como os garante a CEDH e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, constituirão princípios gerais do direito da União».

Assim, o Tratado de Lisboa confirmou a possibilidade de o Tribunal de Justiça desenvolver a proteção dos direitos fundamentais através dos princípios gerais.

No entanto, não existem indicações claras quanto à relação entre os direitos fundamentais como princípios gerais e a Carta. Estas duas fontes partilham o mesmo estatuto jurídico, e, do ponto de vista da proteção concedida, existe uma sobreposição significativa (porque a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre os princípios gerais inspirou o esboço da Carta e as fontes de inspiração da Carta e os princípios gerais sobrepõem-se em grande parte).

O Tribunal de Justiça ainda não tomou uma posição clara sobre esta questão: embora se refira cada vez mais apenas à Carta, há também casos em que se faz referência a ambas as fontes (ver, por exemplo, Processo C-441/14 Dansk Industri (DI), § 22).

Parece razoável reconhecer que os princípios gerais dos direitos fundamentais da UE têm pelo menos duas funções:

  • Contribuir para a interpretação da Carta: se uma disposição da Carta codificar um direito fundamental que o Tribunal de Justiça já havia concedido como princípio geral, a jurisprudência a esse respeito deve orientar a interpretação desta disposição da Carta;
  • Uma via alternativa para a proteção dos direitos fundamentais que não é concedida pela Carta.

Deve salientar-se que, apesar da referência (apenas) à CEDH no artigo 6.°, n.° 3, do TUE, o Tribunal de Justiça invocou outros tratados internacionais que não a CEDH enquanto fontes dos princípios gerais do direito da UE: por exemplo, a Convenção da Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ou a Carta Social Europeia.

Por conseguinte, a atual formulação do artigo 6.°, n.° 3, do TUE não deve impedir o recurso a esses outros tratados.

2.4 Relações entre a UE e a CEDH

Atualmente, todos os Estados-Membros da UE são partes na CEDH, ao passo que a União não o é. Por conseguinte, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo não é competente para rever as ações da UE e as disposições contra a CEDH. Em contrapartida, pode rever as ações dos Estados-Membros, incluindo os que cumprem as obrigações decorrentes do direito da UE.

No entanto, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem atribuiu um regime especial às ações dos Estados-Membros, quando dão execução a uma obrigação de direito da UE que não permite qualquer margem de discricionariedade na execução. O Tribunal de Estrasburgo não examinará essas ações, com base na premissa de que a proteção dos direitos fundamentais concedida no âmbito do sistema da União é pelo menos equivalente à da CEDH. No entanto, esta presunção é relativa: será refutada se a proteção da ação em apreço for manifestamente deficiente (a chamada «presunção do Bósforo», após o caso em que foi desenvolvida).

Em contrapartida, não se aplica um regime especial às ações dos Estados-Membros que aplicam as obrigações decorrentes do direito da UE quando os Estados-Membros dispõem de algum poder discricionário.

Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a UE tem a obrigação jurídica de procurar a adesão à CEDH. O artigo 6.°, n.° 2, do TUE estabelece: «A União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Esta adesão não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados».

A adesão exige a entrada em vigor de um Acordo de Adesão entre a União e os Estados que são partes na CEDH. Em 2013, foi concluído um esboço de Acordo de Adesão, mas o Tribunal de Justiça declarou a sua incompatibilidade com os Tratados da UE e a Carta (ver Parecer 2/13).

No entanto, o facto de a UE não ser (ainda) uma parte na CEDH não significa que a Convenção não tenha relevância jurídica ao abrigo do direito da UE. Atualmente, a CEDH (e a jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo que a interpreta) desempenha duas funções:

  • constitui um padrão mínimo de proteção em relação à Carta, cujo artigo 52.°, n.° 3, estabelece: «Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla» (sobre esta disposição, ver mais na secção 5.1, Parte III);
  • pode ser invocada a CEDH e a jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo para proteger os direitos fundamentais como princípios gerais do direito da UE, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 3, do TUE (ver secção 2.3).

3. As funções desempenhadas pelos direitos fundamentais da UE

As instituições e órgãos da UE (qualquer que seja o seu nome: agências, serviços, etc.) devem respeitar os direitos fundamentais da UE e promover a sua aplicação efetiva sempre que exerçam as suas atividades. Qualquer ato por estes adotado deve respeitar os requisitos da proteção dos direitos fundamentais.

Os Estados-Membros da UE devem respeitar os direitos fundamentais da UE e promover a sua aplicação, mas apenas quando atuam "no âmbito de aplicação do direito da UE" (ver secção 3 Parte II).

Por conseguinte, no que diz respeito às ações da UE, os direitos fundamentais desempenham duas funções principais.

Em primeiro lugar, atuam como parâmetros de interpretação. Os atos da UE devem ser interpretados à luz dos direitos fundamentais da UE e, se estiverem abertos a diferentes significados, deve ser preferida a interpretação mais consentânea com os direitos fundamentais da UE.

A título de exemplo, no Processo C-131/12 Google Spain, o Tribunal de Justiça interpretou a Diretiva 95/46/CE relativa à proteção dos indivíduos no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, tendo em conta os artigos 7.° e 8.° da Carta da União Europeia, relativamente ao respeito pela vida privada e ao direito à proteção dos dados pessoais. Embora a diretiva não disponha sobre esta matéria o Tribunal de Justiça considerou que deve ser interpretado no sentido de que reconhece o «direito a ser esquecido»: o direito de uma pessoa obter junto do operador de um motor de busca, a remoção da informação a ela referente.

Em segundo lugar, os direitos fundamentais da UE constituem fundamentos de validade. Um ato da UE que não cumpra os direitos fundamentais da UE e não possa ser interpretado em conformidade com os mesmos é inválido e pode ser anulado através de um recurso de anulação no Tribunal de Justiça ou no Tribunal Geral ou ser declarado nulo por reenvio prejudicial do Tribunal de Justiça (ver secção 4).

A título de exemplo, no Processo C-293/12 Digital Rights Ireland, o Tribunal de Justiça declarou a Diretiva 2006/24/EC sobre retenção de dados inválida, uma vez que as suas disposições não estabelecem salvaguardas suficientes para garantir que os dados pessoais fossem tratados em conformidade com os artigos 7.° e 8.° da Carta.
Os direitos fundamentais atuam como parâmetro de compatibilidade com o direito da UE e também dos atos nacionais abrangidos pelo direito da UE. Por conseguinte, esses atos devem ser interpretados em conformidade com os direitos fundamentais da UE. Em caso de conflito que não possa ser tratado através da interpretação, o ato nacional deve ser revogado ou alterado pelo legislador nacional. No entanto, se o direito fundamental da UE em causa satisfizer os requisitos do efeito direto, os tribunais nacionais e as autoridades administrativas podem aplicá-lo, não aplicando a disposição nacional contrária. Não necessitam esperar por uma alteração formal da legislação existente pelo legislador nacional (sobre isso, veja mais na secção 7 Parte III do presente tutorial).

4. Meios judiciais de que dispõem os particulares para a proteção dos seus direitos fundamentais decorrentes do quadro da UE

Vários instrumentos e mecanismos, administrados por diferentes órgãos judiciais e não judiciais, estão disponíveis para procurar proteção contra a violação dos direitos fundamentais da UE.

A proteção judicial é assegurada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Luxemburgo e pelos tribunais nacionais dos Estados-Membros.

Se a violação de um direito fundamental tiver origem numa medida da UE, só o TJUE pode anular esse ato. Há duas formas de obter uma avaliação por parte do TJUE sobre a compatibilidade do ato com a Carta:

  • Através de um recurso de anulação interposto perante o TJUE, competente em matéria de recursos de anulação interpostos por particulares;
  • Através de um reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça, exercido por uma jurisdição nacional.

Estas duas formas de ativar as autoridades judiciais da UE não são intercambiáveis: estão sujeitas a requisitos e normas processuais diferentes.

Por exemplo, de acordo com o artigo 263.°, n.° 4, TFUE, existe um prazo limite para interpor um recurso de anulação. O recorrente deve também demonstrar um interesse suficiente na medida contestada para poder exercer o direito de recorrer a uma ação judicial. A regulamentação desta matéria, chamada «legitimidade», é estrita e torna-se muitas vezes difícil para os particulares instaurar processos nos tribunais da UE.

Em contrapartida, não existe prazo limite para apresentar um reenvio prejudicial, mas apenas as jurisdições nacionais o podem apresentar junto do Tribunal de Justiça (ver artigo 267.° TFUE). Deve assim existir um processo judicial a nível nacional que ponha em causa um ato da UE (ou uma medida nacional de aplicação do direito da UE) supostamente em contraste com os direitos fundamentais da UE: qualquer parte no processo pode pedir ao órgão jurisdicional nacional para apresentar um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, mas a decisão final cabe à jurisdição nacional (também pode apresentá-lo oficiosamente por iniciativa própria).

Se a violação de um direito fundamental tiver origem num ato nacional, as jurisdições nacionais têm a responsabilidade primária de oferecer proteção (o tribunal competente tem de ser identificado de acordo com os regulamentos nacionais sobre a divisão de competências entre os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em causa).

Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional nacional estabelece se o caso é abrangido pela aplicação dos direitos fundamentais europeus, ou dos direitos fundamentais nacionais. Se se tratar de direitos fundamentais da UE (ver Secção 1 até Secção 3 Parte II), o órgão jurisdicional nacional concede a proteção relativa aos mesmos. Em caso de dúvida, o órgão jurisdicional nacional pode apresentar um reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação do direito da UE.

A escolha do procedimento mais apropriado pode não ser fácil, por isso recomenda-se uma assistência jurídica qualificada: ver secção 2 Parte III do presente tutorial. De forma a proporcionar às partes e aos seus representantes uma melhor compreensão do regulamento que rege a tramitação dos procedimentos acima mencionados, o Tribunal de Justiça adotou algumas Instruções práticas. Além disso, o Tribunal elaborou um texto com algumas Recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais relativas à apresentação de processos prejudiciais, oferecendo orientações quanto à oportunidade de proceder a um reenvio prejudicial, bem como indicações práticas quanto à forma e aos efeitos de tal reenvio.

5. Intermediação extrajudicial disponível para os particulares que procuram proteção dos seus direitos fundamentais da UE

As questões relativas à proteção dos direitos fundamentais da UE podem ser resolvidas igualmente com mecanismos extrajudiciais.

A violação dos direitos fundamentais por parte de instituições, órgãos, serviços e agências da UE

  • Queixa ao Provedor de Justiça Europeu: o direito de apresentar petições ao Provedor de Justiça Europeu, que constitui por si só um direito fundamental (garantido pelo artigo 44.° da Carta da UE), permite aos cidadãos da UE e residentes na União denunciarem casos de «má administração» na atuação das instituições, órgãos e organismos, serviços e agências da UE, com a exceção do TJUE no exercício das suas funções jurisdicionais.
  • Queixa à Autoridade Europeia para a Proteção de Dados: qualquer pessoa que considere que os seus direitos tenham sido violados no tratamento dos seus dados por parte de uma instituição, órgão, organismo, serviço ou agência da UE, pode apresentar uma queixa junto da Autoridade Europeia para a Proteção de Dados, preenchendo o formulário para a apresentação de queixa.
  • Violação de direitos fundamentais por parte dos Estados-Membros
  • Queixa à Comissão Europeia, relativa à violação de direitos fundamentais por parte de autoridades nacionais (desde que atuem no âmbito do direito da UE: ver secção 1 até secção 3, Parte II). Informações detalhadas sobre como apresentar uma queixa e como a Comissão a recebe estão disponíveis aqui.
  • Petição ao Parlamento Europeu: o direito à petição, que constitui um direito fundamental por si só (garantido pelo artigo 44.° da Carta da UE), permite aos cidadãos da UE e residentes na União chamar a atenção do Parlamento Europeu para uma questão abrangida pela competência da União e que envolve diretamente o peticionário. Mais informações sobre o direito de petição estão disponíveis aqui.

Através do Portal para Petições do Parlamento Europeu, pode-se iniciar uma petição nova ou apoiar uma existente.

Última atualização: 24/10/2018

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